Título: A Passagem (The Passage)
Autor: Justin Cronin
Tradutor: Ivanir Calado
Páginas: 816
ISBN: 8599296820
Editora: Sextante
Li esse livro por indicação de uma amiga minha e basicamente a única coisa que ela me falou era que ele era enorme e tinha trocentos personagens, tantos que ela ficou perdida na história. Que ele é enorme é real (são 816 páginas), mas quanto ao números de personagens eles são muitos, mas não tantos que cause tamanha confusão, isso achei exagero da parte dela. Se bem que pode ser porque depois de as crônicas de gelo e fogo meus padrões mudaram radicalmente. ^^
Dito isso, uma critica, o autor dá atenção demais aos personagens secundários. Um monte de resenhas espalhadas pela internet afora fala isso. Eu concordo. Mas deixe-me explicar. Imagine a seguinte cena: uma criança se aproxima com uma boneca, mostra para você, explica de onde ela veio e o como a brincadeira vai ser. Então do nada a criança joga a boneca com a maior força possível para bem longe, vira as costas e vai embora. E você fica se perguntando por que perdeu seu tempo ali e por que a criança passou tanto tempo falando sobre a boneca. O sentimento é basicamente esse. Vai acontecer um monte de vezes de uma personagem ser perfeitamente construída só para morrer. Tudo bem que o livro é narrado em primeira pessoa (o que nesse caso é essencial, mas estou me adiantando) e os personagens são necessários, só acho que poderiam ser menores em quantidade e maiores em relevância.
Mas vamos falar de coisa boa! (a Tekpix e a iogurteira vem na mente automaticamente, não é? Ô praga) A história do livro não é assim tããão original, fala sobre a possibilidade de um fim do mundo com uma experiência que sai do controle, infecta a população e o resto vocês já sabem. Tem vários livros e filmes por ai nesse estilo, então porque a passagem se destacou? vocês devem estar se perguntando. É porque foi tudo muito bem construído e bem pensado, não achei pontas soltas na historia, exceto, claro, aquelas que ainda serão amarradas nos próximos volumes (é uma trilogia).
Mas deixe-me detalhar. Teremos aqui o nosso momento sinopse.
"Primeiro, o imprevisível: a quebra de segurança em uma instalação secreta do governo norte-americano põe à solta um grupo de condenados à morte usados em um experimento militar. Infectados com um vírus modificado em laboratório que lhes dá incrível força, extraordinária capacidade de regeneração e hipersensibilidade à luz, tiveram os últimos traços de humanidade substituídos por um comportamento animalesco e uma insaciável sede de sangue. Depois, o inimaginável: ao escurecer, o caos e a carnificina se instalam, e o nascer do dia seguinte revela um país – talvez um planeta – que nunca mais será o mesmo. A cada noite, a população humana se reduz e cresce o número de pessoas contaminadas pelo vírus assustador. Tudo o que resta aos poucos sobreviventes é uma longa luta em uma paisagem marcada pelo medo da escuridão, da morte e de algo ainda pior. Enquanto a humanidade se torna presa do predador criado por ela mesma, o agente Brad Wolgast, do FBI, tenta proteger Amy, uma órfã de 6 anos e a única criança usada no malfadado experimento que deu início ao apocalipse. Mas, para Amy, esse é apenas o começo de uma longa jornada – através de décadas e milhares de quilômetros – até o lugar e o tempo em que deverá pôr fim ao que jamais deveria ter começado. A passagem é um suspense implacável, uma alegoria da luta humana diante de uma catástrofe sem precedentes. Da destruição da sociedade que conhecemos aos esforços de reconstruí-la na nova ordem que se instaura, do confronto entre o bem e o mal ao questionamento interno de cada personagem, pessoas comuns são levadas a feitos extraordinários, enfrentando seus maiores medos em um mundo que recende a morte."
Uma coisa que eu achei fantástica foi o envolvimento dos militares na experiência que saiu de controle. Ficou tudo muito bem explicado e real. O autor fez os acontecimentos se tornarem plausíveis encaixando-os muito bem na realidade do nosso mundo.
“Nós estamos em guerra há 15 anos, agente Wolgast. Pelo andar da carruagem, continuaremos em guerra por mais 15 anos, e isso se tivermos sorte. Não vou engana-lo. O maior desafio que os militares enfrentam, que sempre enfrentaram, é manter os soldados no campo de batalha. Então, digamos que o mesmo soldado seja atingido pelo mesmo estilhaço, mas em menos de um dia o corpo dele se regenere e ele esteja de volta à sua unidade, lutando por Deus e por seu país. Acha que os militares não estariam interessados em algo assim?”
E não se engane, o começo do livro é apenas o como e os porquês dos acontecimentos futuros. É uma introdução imensa, mas necessária. E justamente por isso é muito difícil resenhar esse livro sem oferecer de brinde alguns spoilers.
A parte realmente central do livro se passa após todo o período de infecção. É o que aconteceu com os humanos que interessa. E eu conto a vocês. Não sabemos.
Como já expliquei o livro é narrado em primeira pessoa de forma que convivemos com as mesmas duvidas dos personagens. As principais sendo: Há mais alguém ai fora? Tem como combater os virais? e claro: Quanto tempo vamos conseguir resistir?
Quando digo ai fora é porque após a infecção (100 anos depois dela, na verdade) a historia se passa na colônia, um lugar com grandes muros em que uma razoável população sobrevive. A noite são ligadas as luzes de poderosos holofotes o que faz a maioria dos virais se manterem distantes. Eles não sabem se existem vida em algum outro lugar dos estados unidos, muitos menos qual a situação do resto do mundo.
“Vorhees fez uma pausa; ele e Greer trocaram um olhar de incerteza.- A verdade é que não sabemos. Algumas pessoas dizem que a quarentena foi bem-sucedida, que o resto do mundo continua lá, funcionando, sem nós. A questão então é por que não ouvimos nada pelo rádio, mas é possível que ele tenham montado algum tipo de barreira eletrônica para além das minas. Outros acreditam, e acho que o major e eu compartilhamos essa opinião, que ninguém sobreviveu. Isso tudo é conjectura, veja bem, mas dizem que a quarentena não foi tão rígida quanto se pensava. Cinco anos depois do surto, os Estados Unidos estavam praticamente despovoados, um chamariz para saques. O depósito de ouro em Fort Knox. O cofre do Federal Reserve em Nova York. Cada museu, joalheria e banco, até a lojinha de empréstimos da esquina, tudo ali dando sopa, sem ninguém para tomar conta. As palavras de Vorhees eram surpresa para Peter. O general prosseguiu.- Mas o verdadeiro tesouro era todo aquele equipamento militar largado por aí, inclusive mais de 10 mil armas nucleares qualquer uma delas poderia mudar o equilíbrio de poder em um mundo sem os Estados Unidos como babá. Francamente, não acho que precisemos nos perguntar se alguém chegou até nosso litoral, mas sim quantos e quem. O mais provável é que tenham levado o vírus com eles”
Os virais, o que falar sobre os virais? são vampiros por falta de palavra melhor. No começo nos são retratados como animais. Monstros carnívoros e insanos. Mas com o desenrolar da historia duvidas sobre a sua natureza começam a surgir. Duvidas que não foram sanadas no primeiro livro da trilogia.
“por que eles faziam isso? (...) Por que voltavam, os que tinham sido tomados? Que força gerava o misterioso impulso de retornar? Uma ultima lembrança melancólica da pessoa que haviam sido? Será que vinham se despedir? Os virais, pelo que diziam, eram seres sem alma (...) Por que um viral voltaria para casa se não tivesse alma?”
Também é muito interessante como os relacionamentos são construídos. Sem muito romance, esqueçam isso. É o sentimento de proteção que Amy desperta nos outros. É a forma como as pessoas da colônia vivem depois de tanto tempo que o exercito os deixou lá prometendo voltar. É intenso como mesmo em situações tão desesperadoras e contra toda a probabilidade os personagens mantem a esperança. E vão atrás do que querem mesmo que pareça causa perdida. Não digo que a fé é mantida pois com o passar do tempo a religião não é mais difundida como antes.
“-não precisa ter medo.- não fique repetindo isso.Ele ficou tão pasmo com o modo direto de falar da garota que por um momento não disse nada.- certo. Isso é bom. Fico feliz por você não estar com medo.- não estou com medo – declarou Amy e começou a andar em direção ao Tahoe – Você é que está.”“sei que o que você fez exigiu muita coragem. Não quero que você pense que não notei. Mas não é disso que eu estou falando, na verdade. É fácil ter coragem quando a alternativa é a morte. Difícil é ter esperança. Você enxergou alguma coisa que ninguém mais conseguia ver e correu atrás. Isso é algo que eu jamais poderia fazer. ”“ agora tudo isso acabou. Tudo. E as estrelas. De vez em quando me pego pensando que é disso que eu mais sinto falta, do Tempo de Antes. Da janela do meu quarto dava para olhar por cima dos telhados dos prédios e das casas e ver aqueles pontos de luz no céu, pairando lá como se Deus o tivesse enfeitado para o Natal. Minha mãe me disse o nome de algumas estrelas e mostrou como a gente podia encontrar algumas imagens lá em cima, coisas simples, como colheres, pessoas e animais. Eu costumava pensar que a gente podia olhar para as estrelas e que aquilo era Deus, bem ali. Era como olhar direto no rosto dele. Precisava da escuridão para vê-lo direito. Talvez ele tenha se esquecido de nós, talvez não. talvez nós é que tenhamos esquecido, quando não pudemos mais ver as estrelas. E para dizer a verdade elas são a única coisa que eu gostaria de ver de novo antes de morrer.”“E nesse momento Michael percebeu que o lugar onde guardava o medo estava vazio. Ele, Michael, o Circuito, não estava com medo. O que sentiu era mais parecido com raiva – uma irritação enorme e exausta, como a que alguém sente quando uma mosca fica zumbindo ao redor do seu rosto por um tempo longo demais. Diabos, pensou, guiando as mãos para a bainha do cinto. Estou cansado dessas porras. Talvez haja 40 milhões de vocês, talvez não. mas, nos próximos dois segundos, haverá um a menos”
Eu poderia passar horas aqui destrinchando cada pequena característica do livro, mas isso obviamente estragaria o prazer de vocês descobrirem por si só e acho até que já falei demais. Se alguém já leu, sinta-se a vontade para tecer seus próprios comentários e criticas.
“Todos aqueles anos esperando o exercito e, no final das contas, o exercito somos nós.”